MEMÓRIAS À VOLTA DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS (POR JOSÉ RUY) – 10

Antes de vos falar das ilustrações que fiz em livros, que em muitos casos têm ficado escondidas, vou explicar como a minha formação de desenhador influenciou também o meu trabalho de capista.

Nas «Publicações Europa-América», onde trabalhei uma década, a minha função principal era criar as capas dos livros, bem como o arranjo gráfico dos mesmos, elaborar anúncios para os jornais, como antes fazia na Bertrand, e executar cartazes publicitando as edições nas livrarias da empresa e nuns grandes expositores implantados no pequeno jardim frente ao edifício, que dava para a Estrada Lisboa Sintra, no quilómetro 14.

Para a execução dos títulos e estruturas tive sempre ajudantes que seguiam a minha maqueta quanto ao desenho das letras. Evitava utilizar a forma tipográfica, pois sendo esses títulos desenhados, diferenciavam-se dos livros de outras editoras que por ventura usassem as mesmas fontes. Muitas vezes acrescentava pormenores nas letras padrão, para que ficassem diferentes.

Procurei desenvolver uma característica adequada a cada título, sem impor o meu traço, mas pelo contrário, adapta-lo a cada tema, ora estilizado graficamente como na «Teresa Batista» do Jorge Amado, ou no «Fígaro», mas totalmente diferente no «Capitão de Longo Curso». Fazia mistura de desenho e fotografia, e por vezes tirando partido unicamente da letra, como no livro «Mortos, Duzentos Milhões», apenas com uma pequena alegoria dramática.

Devo esclarecer que nesta altura, entre 1972 e 1982 não tinha computador, por isso era tudo desenhado e pintado sobre papel, e nesta fase também não usava o aerógrafo.

Por vezes construía blocos que depois eram fotografados na própria máquina de reprodução «Kims», como para a capa «As Civilizações Africanas». Numa placa de esferovite cortei a forma da África do lado esquerdo dando-lhe a configuração de uma máscara, e na face superior pintei a guacho o desenho. Usava muito a máquina de reprodução da Gráfica que pertencia à Editora e estava instalada em ligação ao edifício principal. Era só descer as escadas. Devido à minha formação gráfica, mantive a melhor relação com os técnicos, numa colaboração positiva.

Mostro agora exemplos de como para cada tema adaptava o grafismo. Tentei sempre conseguir uma grande maleabilidade sem nunca impor o meu estilo ou preferências. Cada obra tinha de ser compreendida e dedicar-lhe o aspecto mais adequado na construção da capa, que é sempre uma mostra do seu conteúdo. E cada capa tinha de se destacar quando exposta na montra das livrarias, no conjunto dos livros apresentados por outras editoras.

A gama de colecções das Publicações Europa-América na altura era vasta. Para dar uma ideia, editavam-se cerca de 30 livros mensalmente, o que dava mais de uma capa por dia, atendendo a que se trabalhava 5 dias por semana e sem serões. Uma das condições que apresentei quando acedi entrar para a Editora, foi de não fazer horas extraordinárias, pois tinha o meu trabalho de Histórias em Quadradinhos, que me davam, como ainda hoje, grande prazer. Umas eram resolvidas com fotografia, que retocava no papel, como «Conheça o Seu Carácter».

Hoje esta ligação de duas fotos é simples fazer no Photoshop, mas neste caso era conseguida com colagens e enviava para a gráfica já completo. Para não se notar o limite do papel que sobrepunha a uma das partes fotográficas e que podia mostrar um fio branco na aresta, lixava o papel no limite desta, por detrás, com uma lixa muito fina, Nº 600, de modo a que a parte sobreposta se fundisse com a outra.

Eram truques que ia inventando para que o resultado fosse o melhor.

E afinal vamos falar então das tais ilustrações, mas só no próximo artigo

 

 

 

 

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